INTRODUÇÃO
Os transplantes no Brasil tiveram início da década de 60, sendo o transplante renal o primeiro a ser realizado no estado do Rio de Janeiro. Os avanços contribuintes para a manutenção e aperfeiçoamento dos transplantes como implementação de técnicas cirúrgicas, desenvolvimento de drogas imunossupressoras, aprimoramento de cuidados intensivos e uso de soluções de preservação mais eficientes corroboram pela eficácia no método, culminando em maiores índices na qualidade de vida da população submetida ao processo. (DALBEM; CAREGNATO , 2010)
Fundamentada pelas Leis n° 9.434/1997 e 10.211/2001 a política nacional de transplantes de órgãos e tecidos, segundo o Programa Estadual de Transplantes (PET), tem como diretrizes a gratuidade da doação, a beneficência em relação aos receptores e não maleficência em relação aos doadores vivos. Estabelece ainda garantias e direitos aos pacientes que necessitam destes procedimentos e regula toda a rede assistencial através de autorizações e reautorizações de funcionamento de equipes e instituições. Toda a política de transplante está em sintonia com as Leis 8.080/1990 e 8.142/1990, que regem o funcionamento do SUS.
DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS
A doação de órgãos diz-se da manifestação voluntaria a partir do momento de sua morte, uma ou mais partes do seu corpo (órgãos ou tecidos), em condições de serem aproveitados para transplante, com a finalidade de ajudar pessoa em quadros clínicos críticos. A possibilidade de vir-se a tornar um doador de órgãos e tecidos se dá após a finalização de um diagnóstico de morte encefálica.
MORTE ENCEFÁLICA
O diagnóstico de morte encefálica caracteriza um quadro clínico permanente e irreversível, definido como ausência de todas as funções neurológicas.
ALGUNS EXAMES REALIZADOS NO DIAGNÓSTICO E CARACTERIZAÇÃO DA MORTE ENCEFÁLICA
Angiografia Cerebral
Angiografia com fluxo sanguíneo cerebral ( esquerda ); angiografia sem fluxo sanguíneo cerebral ( direita )
Doppler Transcraniano
Doppler com fluxo sanguíneo cerebral ( esquerda ); Doppler sem fluxo sanguíneo cerebral ( direita )
Tomografia computadorizada com xenônio
Paciente com atividade cerebral ( esquerda ); paciente com morte encefálica ( direita )
Eletroencefalograma ( EEG )
Paciente com atividade cerebral normal ( esquerda ); paciente com morte encefálica ( direita )
PRÉ REQUISITOS PARA SER CONSIDERADO DOADOR DE ÓRGÃOS E TECIDOS
- Ter identificação e registro hospitalar;
- Ter a causa do coma estabelecida e conhecida;
- Não apresentar hipotermia (temperatura do corpo inferior a 35ºC), hipotensão arterial ou estar sob efeitos de drogas depressoras do Sistema Nervoso Central;
- Passar por dois exames neurológicos que avaliem o estado do tronco cerebral. Esses exames devem ser realizados por dois médicos não participantes das equipes de captação e de transplante;
- Submeter-se a exame complementar que demonstre morte encefálica, caracterizada pela ausência de fluxo sanguíneo em quantidade necessária no cérebro, além de inatividade elétrica e metabólica cerebral;
- Estar comprovada a morte encefálica. Situação bem diferente do coma, quando as células do cérebro estão vivas, respirando e se alimentando, mesmo que com dificuldade ou um pouco debilitadas.
Lista de órgãos e tecidos que podem ser doados com tempo e momento indicado para retirada e realização do transplante
ÓRGÃO/TECIDO
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TEMPO/RETIRADA
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TEMPO/TRANSPLANTE
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Coração
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Antes da parada cardíaca
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4 - 6 horas
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Pulmões
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Antes da parada cardíaca
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4 - 6 horas
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Fígado
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Antes da parada cardíaca
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12 - 24 horas
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Pâncreas
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Antes da parada cardíaca
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12 - 24 horas
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Rins
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Até 30 min após parada cardíaca
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Até 48 horas
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Córneas
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Até 6 horas após parada cardíaca
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7 à 14 dias
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Ossos
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Até 6 horas após parada cardíaca
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Até 5 anos
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A doação de medula óssea somente é realizada com o doador vivo compatível, por meio de aspiração óssea ou coleta de sanguínea, esta se dispõe em Hemocentros regionais, que em Minas Gerais são a Fundação Hemominas ( BH ) e o Hemocentro Regional de Juiz de Fora.
BIOÉTICA E A DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS
A Bioética, segundo o professor Warren Reich (1978), se define como o “estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e a atenção à saúde, enquanto que esta conduta é examinada a luz dos princípios e valores morais”, e dispõe-se de mecanismos exercê-la de forma coesa. Voltada para a doação de órgãos tecidos, a Bioética lida com diferentes parâmetros culturais, sociais e econômicos, medos, dúvidas e conceitos mal assimilados, que na maioria das vezes inviabilizam a doação.
Conceitos como desinformação e não confiabilidade no processo são os mais pautados mediante pesquisas sobre a temática. Mesmo estudantes da área da saúde não são amparados por tal conhecimento, " Quando questionamos se este tema (doação de órgãos) esteve presente como conteúdo integrante de alguma disciplina do curso de enfermagem, 39 (86,7%) responderam que não. " (ALMEIDA; TIPPLE; BACHION et al.,2003)
Vê-se que a problemática se manifesta de forma abrangente, e ainda mais preocupante, pois aqueles que em suma deveriam deter conhecimento esclarecido, como profissionais da saúde, se equiparam ao restante de grande parte da população.
No depoimento¹ ' Doação de órgãos de uma criança. Em que implica esta escolha.'disponível no site ADOTE ( ALIANÇA BRASILEIRA PELA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS ) dois tópicos importantíssimos são claramente evidenciados; o primeiro é a falta de esclarecimento da família acerca da situação " ( ... ) a gente não entendia nada de medicina, nem sobre o cérebro. Pensávamos que o principal órgão era o coração e que o mesmo sem o cérebro a criança poderia sobreviver, mesmo que ficasse com algumas deficiências." O segundo tópico é a importância de se deparar com uma equipe médica capacitada a amparar todo o contexto ligado ao paciente e às consequências do seu quadro clínico, de modo que a família perceba e compreenda os benefícios da doação, " (...) ele morreu, mas algumas partes dele sobreviveram. Se as mães que chegarem ao ponto que a gente chegou, se elas tiverem dúvidas que a retirada de órgãos irão matar seus filhos, não é verdade, pois existem vários exames médicos que são feitos para comprovar a Morte Encefálica. Eu não sei de onde vem tanta força para isso que a gente tem enfrentado, para essas dificuldades. Mas, nesse momento, a gente se sente até superior. Eu me senti maior, uma coisa de generosidade. Tinha que ser feito. Às vezes vem aquela tristeza e ao mesmo tempo vem aquela alegria de que alguém está sobrevivendo. "
Vê-se que a problemática se manifesta de forma abrangente, e ainda mais preocupante, pois aqueles que em suma deveriam deter conhecimento esclarecido, como profissionais da saúde, se equiparam ao restante de grande parte da população.
No depoimento¹ ' Doação de órgãos de uma criança. Em que implica esta escolha.'disponível no site ADOTE ( ALIANÇA BRASILEIRA PELA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS ) dois tópicos importantíssimos são claramente evidenciados; o primeiro é a falta de esclarecimento da família acerca da situação " ( ... ) a gente não entendia nada de medicina, nem sobre o cérebro. Pensávamos que o principal órgão era o coração e que o mesmo sem o cérebro a criança poderia sobreviver, mesmo que ficasse com algumas deficiências." O segundo tópico é a importância de se deparar com uma equipe médica capacitada a amparar todo o contexto ligado ao paciente e às consequências do seu quadro clínico, de modo que a família perceba e compreenda os benefícios da doação, " (...) ele morreu, mas algumas partes dele sobreviveram. Se as mães que chegarem ao ponto que a gente chegou, se elas tiverem dúvidas que a retirada de órgãos irão matar seus filhos, não é verdade, pois existem vários exames médicos que são feitos para comprovar a Morte Encefálica. Eu não sei de onde vem tanta força para isso que a gente tem enfrentado, para essas dificuldades. Mas, nesse momento, a gente se sente até superior. Eu me senti maior, uma coisa de generosidade. Tinha que ser feito. Às vezes vem aquela tristeza e ao mesmo tempo vem aquela alegria de que alguém está sobrevivendo. "
Existem ainda, empecilhos advindos de aspectos religiosos, mesmo que a maioria absoluta das religiões defendam a prática do transplante de órgãos como um ato de doação e amor ao próximo, em algumas delas o transplante só é aceito entre órgãos e tecidos “limpos”, ou seja, onde não haja troca de sangue. Em todas elas a doação é uma opção individual e nos casos de doador falecido a família deve autorizar a doação. No judaísmo, por exemplo, a doação de órgãos só é permitida se o receptor for conhecido para evitar que o órgão retirado, se não utilizado, seja inadvertidamente descartado, uma vez que para os judeus o corpo é sagrado e deve ser enterrado de acordo com suas tradições, como descrito no depoimento² do Professor Sami Goldstein.
OPINIÕES DO GRUPO SOBRE A DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS
Alice
" Infelizmente temos que admitir que o Brasil está envolvido com crimes de tráfico de órgãos. Sinceramente, eu lamento, pois doar órgãos é uma atitude que deveria salvar vidas e não o contrário. Certamente esse tipo de crime é ‘facilitado’ por falta de fiscalização, e uma série de outros agravantes. Não se pode generalizar, é claro, mas o tráfico de órgãos é um assunto extremamente complicado e pouco comentado e/ou divulgado, certamente por motivos políticos. Eu doaria meus órgãos se tivesse a certeza que vivo em um país justo e sem corrupções, ou seja, não tenho coragem de doar. "
Técnica em Meio Ambiente e Estudante de Biomedicina na Faminas-BH
Salma
" Vejo como uma atitude de extremo altruísmo e encorajo as pessoas, que por meio de conversas com membros da família e amigos manifestem essa vontade de serem doadores de órgãos e tecidos, em caso de morte encefálica. Contudo, declarar-me como doadora de órgãos em documentos eu nunca faria. Não acredito no bom senso e na boa fé de todo profissional da saúde, e sei bem que o dinheiro, em suma, é o que movimenta esse mundo em que vivemos hoje, partilho de um medo que acredito não ser só meu, de me encontrar em quadro clínico X, e me declarem com o quadro Y, favorecendo aquele paciente provido de condições monetárias maiores e necessitando de um transplante. A burocracia envolta por esse ato não me incomoda, mas a ausência de ética e senso de justiça observada no Brasil me desencoraja. "
Técnica em Patologia Clínica e Estudante de Biomedicina na Faminas-BH
Micherlaine
" Sou a favor da doação de órgãos. Sei que é difícil obter órgãos compatíveis e há uma lista de espera imensa de pacientes aguardando uma nova chance de continuarem vivos. Eu não me declaro doadora em meus documentos por não acreditar que um médico zelaria pela minha saúde estando em coma por exemplo, mas compartilho com minha família e amigos ser doadora em caso de morte encefálica. "
Técnica de montagem e Estudante de Biomedicina na Faminas-BH
Fabrício
" Como um futuro profissional da saúde, tenho a visão de que este procedimento é importante e eticamente válido, desde que não fira a vontade expressa em vida pelo doador e que sejam respeitados os critérios pré-estabelecidos de seleção do receptor. O individuo que opta por ser doador de órgãos levará benefícios à um individuo necessitado e é uma atitude de grande valor. Porém, sabemos que muitas vezes as situações e critérios não são respeitados e fazem com que muitos optem pela não doação de órgãos, estes também devem ter sua opção e opinião respeitadas. "
Estudante de Biomedicina na Faminas-BH
Aline
" Sou a favor da doação de órgãos desde que não seja violado nenhum quadro clínico do paciente e que o mesmo se encontre em um quadro clínico de morte encefálica, porque com certeza existem fraudes por parte de médicos e até hospitais nesses casos, onde o paciente possui um quadro clínico, eles apresentam outro para que haja a doação de órgãos. Apoio a prática e se algum dia for necessário quero sim doar meus órgãos. "
Vitor
" Sou doador de órgãos por que acredito no bem maior ao próximo. Apesar da corrupção, da burocracia e dos atos antiéticos de alguns profissionais envolvidos na doação de órgão hoje no Brasil. Ainda sim creio na responsabilidade de poder salvar outras vidas em função da minha morte, seja ela encefálica ou não. Reafirmo em documentos legais e compartilho a ideia com os meus familiares e amigos mais próximos. "
Técnico em Enfermagem e Estudante de Biomedicina na Faminas-BH